Carnaval no Brasil
Vitória Carnaval 2023 : desfile Unidos da Piedade no Sambão do Povo
Desfile Unidos da Piedade no Carnaval 2023 de Vitória : a Unidos da Piedade abriu no sábado (12/2/23) os desfiles do Grupo Especial no Carnaval 2023 de Vitória. A primeira escola de samba do Espírito Santo, mostrou no Sambão do Povo, o enredo “Bino Santo e as lutas que ecoam no morro”, assinado pelo carnavalesco Alex Santiago, partiu de contos e da tradição oral para desfilar na passarela do samba as tantas histórias e tantas manifestações culturais relacionadas a “Bino Santo”, “Bino Dito”, o São Benedito, unindo sua ancestralidade e a fé.
Os elementos históricos da história contada no desfile da Piedade estavam presentes no primeiro setor da escola: os povos africanos, os portugueses, a escravização dos negros e a chegada de São Benedito a Vitória com com frades franciscanos, além das irmandades de São Francisco e do Rosário.
A comissão de frente, representando a saga do santo no Centro da capital capixaba. Com trabalho do coreógrafo Jerdan Nicácio, os componentes apresentação o processo de escravidão e da catequisação pelo colonizador; o encontro dos povos negros com o santo e sua adoração; as lavadeiras, responsáveis por propagar com seus cantos os milagres de Bino Santo que, no carnaval, festejou com a Piedade. O elemento cênico representava um vitral de igreja com a imagem de São Benedito.
A colonização portuguesa, o sistema escravocrata brasileiro e o mar foram as primeiras alas da escola a passar na avenida, trazendo com elas o abre-alas: “O navio negreiro”.
A alegoria causou impacto em quem assistia ao desfile por seu tom dramático, relembrando os horrores vividos pelos escravizados nos porões desses navios, ou calungas, que seriam cemitérios na umbanda. No primeiro destaque, Iemanjá, a rainha do mar. Vasco Fernandes Coutinho, donatário da capitania do Espírito Santo, e Luiza Grimaldi, que doou o terrenos para a construção do convento de São Francisco também estavam representados na alegoria.
Defendendo o pavilhão da escola, o mestre-sala Weskley Blank e a porta-bandeira Andressa Cadete estavam vestidos de João III, “o piedoso”, e rainha consorte Catarina de Habsburgo.
Após o cortejo real, entrou a bateria de Mestre Terêu, que empolgou o público desde o aquecimento, na concentração. Rose de Oliveira, a rainha, estava belíssima com a fantasia “Rosas para São Benedito”, cujo significado era o sonho de liberdade dos escravizados.
Os componentes da Ritmo Forte representavam os devotos da Irmandade da Igreja de São Francisco, que usavam a cor verde e nos adereços da roupa tinham detalhes do piso da igreja, e os devotos da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, que usavam a cor azul, devido ao manto de Nossa Senhora, e nos adereços da roupa tinham detalhes do piso da igreja dedicada à santa.
Os passistas atravessaram o Sambão com muita ginga, interagindo com o público e com uma fantasia inspirada nas relíquias doadas para as irmandades, que eram uma forma de comprar a alforria de escravizados.
Da variedade de histórias que permeiam a história do santo negro, a Piedade escolheu algumas para contar na avenida, como o mouro guiado por anjos, em que benedito teria sido ajudado por anjos enquanto cozinhava no mosteiro, e o milagre das flores, consagrado pela igreja. Em uma saída do mosteiro, quando levava comida para os pobres, Benedito teria sido parado por seu superior e, ao ser questionado sobre o que levava em sua túnica, teria aberto os braços e a comida que havia ali se transformado em flores diversas.
Os santos negros São Benedito e Nossa Senhora Aparecida ganharam destaque com o segundo casal de mestre-sala e porta-bandeira, Wanderson Santtana e Katrielly Nascimento. As reverenciadas baianas da escola foram vestidas com inspiração na imagem de Nossa Senhora do Rosário, de quem São Benedito era devoto, como adereços, levavam o menino Jesus e um rosário. A integrante mais experiente, Dona Doquinha, com seus 75 anos, esbanjou vitalidade e alegria no desfile.
A igreja da Santa inspirou a segunda alegoria da Piedade. Localizada no Centro de Vitória, é uma construção em estilo colonial, construída em pedra e cal com mão de obra de negros escravizados em 1765. Na alegoria, encontravam-se esculturas de Santa Ana, São Sebastião, São Gerônimo e São Lázaro. Na parte de trás, uma alusão ao local destinado aos leilões que vendiam relíquias para juntar dinheiro e conseguir comprar alforrias.
Uma das histórias mais famosas da capital capixaba, a disputa entre as irmandades de São Francisco, os caramurus, e Nossa Senhora do Rosário, os peroás, nos festejos de São Benedito ganhou contornos carnavalescos no Sambão do Povo.
Seres marinhos, peroás, caramurus, sereias e catraieiros tomaram a passarela do samba, que viu também a divisão feita no centro da Capital, durante a procissão a Bino Santo, marcando as rivalidades entre os dois grupos.
As bandas de congo que surgiram no Centro em meio aos festejos a São Benedito foram representada pela Banda de Congo Beatos de São Benedito, que é formada por competentes percussionistas e inclui em sua formação, pessoas com deficiência (Síndrome de Down, paralisia cerebral, microcefalia, autismo, entre outras), idosos e indivíduos em risco social, ratificando o lema estampado em sua indumentária: “A Cultura Popular como meio de Inclusão Social”.
Nos cantos da senzala, nos quilombos e, mais tarde, nos terreiros de candomblé e umbanda, os negros mantiveram vivas suas raízes ancestrais. Nesse setor, a Piedade mostrou o sincretismo religioso e a resistência para resguardar crenças e tradições dos escravizados, que muitas vezes foram ressignificadas para não se perderem.
O tripé “São Benedito é Catendê” marcou essa aproximação com os orixás. A escola levou para a avenida ainda a essência da cura, um tributo a Iansã, a presença de Ossain, o rei das matas, a pomba de Oxalá, a linha da umbanda, e os pretos velhos.
Espelho e identidade para a população negra, Bino Santo desde sempre encontrou morada entre a gente boa da Piedade e da Fonte Grande. No último setor, a escola festejou sua própria gente, agraciada com um milagre de São Benedito: uma fonte de água doce que sobrevive até hoje.
A velha guarda da escola passou com sua elegância tradicional, os protetores do pavilhão da Unidos da Piedade. O decano dos componentes é Nedir Cardoso, com 74 anos e muito amor pela agremiação mais querida do Carnaval de Vitória.
O casal mirim de mestre-sala e porta-bandeira, Luan Igor Costa e Yasmin Liz dos Reis representavam a geração do futuro da escola de samba.
As lavadeiras tiveram uma ala dedicada a elas, bem como a água que jorra da fonte abençoada pelo santo. A terceira alegoria da Piedade, “A Fonte Grande de São Benedito de Vitória” sintetizou o berço do samba capixaba, com suas ladeiras, seus bares e praças, terra fértil para a arte carnavalesca. Verdadeiros baluartes da escola estavam presentes ou representados no carro: Edson Papo Furado, Maria, Paulo, Francisca, Dona Zi, José Pirola, Nego e Pedro Pial, além dos dois mestres de bateria mais antigos ainda vivos, Edu e Tião.
Samba-enredo Unidos da Piedade no Carnaval 2023 de Vitória:
Samba-enredo “Bino Santo e as lutas que ecoam no morro”
Ê lavadeira ê, banho de abô e axé
São Benedito conduz meu povo de fé
É Bino Santo guardião do meu ilê
Sou Piedade filha de katendê
Fé é luz do meu povo
Lumia o caminho, enxuga meu pranto
Prece refletida na imagem
A benção do Espírito Santo
Quando estala a chibata
E o breu anuncia tristeza e dor
Lua clareia a esperança
E a pele que sangra entoa um clamor
Ôôôô… É força, é raça na sua essência
Ôôôô… De punho cerrado negro é resistência
Pretos rosário de almas benzidas
Missões franciscanas, o verbo pregar
As Irmandades que selam destinos
Serão caramurus e peroás
O mouro guiado por anjos
Milagres em flores a desabrochar
Negras procissões, devotos, orações
E a terra capixaba é seu lugar
De orquestras e congos tambores
De pretos velhos e Ossain ibá
As águas que lavam minh´alma
Abençoam o sincretismo popular
Fonte e fotos : Prefeitura de Vitória